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O Sol na cabeça – Geovani Martins | Resenha

Em O sol na cabeça, Geovani Martins narra a infância e a adolescência de garotos para quem às angústias e dificuldades inerentes à idade soma-se a violência de crescer no lado menos favorecido da “Cidade partida”, o Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XXI.
Em “Rolézim”, uma turma de adolescentes vai à praia no verão de 2015, quando a PM fluminense, em nome do combate aos arrastões, fazia marcação cerrada aos meninos de favela que pretendessem chegar às areias da Zona Sul. Em “A história do Periquito e do Macaco”, assistimos às mudanças ocorridas na Rocinha após a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP. Situado em 2013, quando a maioria da classe média carioca ainda via a iniciativa do secretário de segurança José Beltrame como a panaceia contra todos os males, o conto mostra que, para a população sob o controle da polícia, o segundo “P” da sigla não era exatamente uma realidade. Em “Estação Padre Miguel”, cinco amigos se veem sob a mira dos fuzis dos traficantes locais.
Nesses e nos outros contos, chama a atenção a capacidade narrativa do escritor, pintando com cores vivas personagens e ambientes sem nunca perder o suspense e o foco na ação. Na literatura brasileira contemporânea, que tantas vezes negligencia a trama em favor de supostas experimentações formais, O sol na cabeça surge como uma mais que bem-vinda novidade.

Contos, ficção | 122 páginas | Editora Companhia das Letras 
O Sol na Cabeça é uma coletânea de 13 contos que falam sobre a realidade dos moradores de favelas, emoldurada pelo convívio com as drogas, o tráfico, a violência, a milícia, o preconceito e outros temas que serão abordados na obra do autor brasileiro Geovani Martins.
Eu nem sou fã de contos, mas assim que a editora enviou o livro como cortesia, decidi que precisava sair da zona de conforto e tomar um choque de realidade. Afinal,  o que eu sei sobre as favelas das grandes cidades e a história de vida de cada morador? É por isso que fiquei com receio de não ter entendido bem o que os contos queriam dizer, se a mensagem foi passada corretamente para mim ou se eu acabei terminando a obra mais cega do que antes de começá-la.
Minha autoria
Separei então três contos que foram os que mais me chamaram atenção para esmiuçar o livro para vocês. O primeiro é Rolézim, um conto que o narrador personagem nos fala sobre um dia comum na vida dele onde ele pretende curtir o sol na praia e um bom baseado com os amigos. O conto é interessante porque ele é escrito a base de gírias. O narrador aparenta ser pouco instruído devido à forma que narra sua história, acostumado aos “corres” que os menores fazem e as intervenções da polícia nas favelas. É como se eu estivesse lendo sobre um dia de lazer de um morador acostumado em ter a praia e o mar à sua disposição, lugar que divide uma parte obscura e feia de uma grande cidade de uma parte viva e famosa, que encanta gringos e outros visitantes por estarem na Cidade Maravilhosa.
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O segundo conto é O Rabisco, que fala sobre Fernando, que mesmo tentando mudar desde o nascimento de seu primeiro filho, ainda se rende a adrenalina da pichação. Por conta disso, ele acaba se envolvendo em uma confusão com a polícia e até o momento que a polícia resolve atirar com a intenção de assustá-lo, Fernando acredita que ali chegou sua hora. Se sente derrotado ao saber que assim como seu pai um dia trocou ele por álcool, ele acaba de trocar seu filho por tinta. Mas aquilo ali era a sua história, e mesmo se sentindo fraco e egoísta, ele ainda queria deixar sua marca nas paredes daquele lugar.
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E por último, o que mais me chamou atenção foi Espiral. Espiral é narrado também em primeira pessoa e fala sobre o preconceito que as pessoas têm ao se deparar com um garoto negro, morador de favela andando do nosso lado no ônibus, ou perto da gente na rua. O pensamento de que seremos assaltados ou que coisa pior pode acontecer conosco é sempre o primeiro que roda a nossa mente, e esse preconceito que vai ditar a vida e os passos do narrador. Ele se sente julgado e constantemente mal interpretado porque o medo é o primeiro sentimento que as pessoas têm ao vê-lo, e cara, quem disse que ele realmente representava perigo para alguém? Mas essas reações extremistas das pessoas, de sempre pensar que ele estava ali para fazer alguma coisa errada, acabaram fazendo com que ele decidisse dar voz aquilo e resolvesse procurar sua primeira vítima.
Eu achei maravilhoso à forma como o autor dá voz a esse conto porque mostra o quanto as ideias pré-concebidas do ser humano pode forçar outro ser humano a trilhar um caminho diferente. Os contos do autor também falam sobre intolerância religiosa, relação com os pais, o abuso das drogas e o tráfico e a morte. Além disso, é uma crítica a forma como o resto da sociedade olha essas pessoas, assim como critica a violência com que elas são tratadas por policiais, que apesar de serem instruídos para nos proteger, talvez piorem o acesso de traficantes às drogas e armas.
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Eu não sou a melhor pessoa para falar sobre o tema. Não conheço de perto e nem de longe a vida daqueles que constantemente lidam com isso, mas achei bacana esse choque de realidade nas páginas de O Sol na Cabeça. É pra gente refletir que favelas não são sinônimos de violência, que nem todas as pessoas trabalham com o tráfico e que as drogas não são uma escolha para aqueles que moram ali. Existem trabalhadores que procuram uma vida digna e muito melhor, assim como existem aqueles que querem isso de uma maneira mais rápida, mesmo que mais trágica.
O sol na cabeça é um livro que mexeu comigo. Ele me fez pensar em coisas que eu achei que já estavam certas na minha cabeça, além de me tirar do chão com sua brutalidade. Gostei e recomendo a leitura para quem também quer sair da zona de conforto e se surpreender com a realidade.

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14 comments on “O Sol na cabeça – Geovani Martins | Resenha

  1. Oi Miriã.
    Então, não leio contos e sempre tive um pouco de receio de não entende-los e tal. Porém, ultimamente veio lendo resenhas bem positivas desse gênero, e temas bem convidativos, como estes que você citou. O que mais me chamou à atenção, foi O Rabisco. Preciso sair da zona de conforto, e certamente vou anotar sua dica. Sua resenha ficou muito sincera e gostei bastante.
    Bjos

    http://www.momentosdeleitura.com

  2. Oi, Pollyanna
    Acho que esse conto pode te chamar atenção justamente para a saída da zona de conforto. Me senti até mais "entendida" do assunto depois que li os contos, é bom saber o que é a nossa realidade.

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